— Já é tarde, Mendes, meu filho, não demore aí fora.
Dona Joana falou carinhosamente, mas retrucou com aquele tom que só as mães dominam. Mendes estava recostado sobre uma mesa velha, dessas feitas para reunir a família nas refeições e festas.
Escrevia uma carta. Já imaginava o franzir da testa da amada, o rubor em seu rosto ao ler aquelas linhas. A carta estava pronta, mas faltava o título — como um livro sem arremate, como uma pintura sem assinatura.
Quase podia sentir o perfume dela. O toque. Mas era a primeira vez que criava coragem para escrever e havia levado horas para compor uma única frase.
Nos últimos três dias, a carta dormira numa gaveta, dentro de uma caixa de sapatos, escondida a sete chaves. Agora, diante dela novamente, flutuava no mar das angústias de apaixonado, quando a voz da mãe o arrancou do transe.
— Já vou, mãe! — respondeu.
Mas no coração, dizia outra coisa.
Já se levantava para obedecer quando as nuvens se abriram, e a lua iluminou a mesa. Sentiu o impulso voltar. Sentou-se outra vez e escreveu:
Para minha lua.
Salvador, quinta-feira, nove de setembro de 1980.
Vos escrevo, minha amada, porque não encontro coragem de lhe olhar nos olhos…
(a carta segue como no texto original, intacta, mas agora com respiros visuais para facilitar a leitura)
Antes de terminar, a voz da mãe cortou o silêncio do jardim:
— Timote Jeremy Renner Mendes!
O pai completou, em tom baixo:
— Para sua sorte, temos visitas… senão eu ia até aí com minha cinta. Entre logo e venha conhecer nossos novos vizinhos.
Mendes entrou.
— Surpresa!
Bolo. Presentes. Três pessoas no sofá — os pais dela e a irmã mais velha. O coração acelerou. Ela só podia estar ali.
Procurou. Nada.
Saiu para a varanda. O lago refletia a lua. Ouviu a música, os risos, mas também algo diferente:
— Se ela estivesse entre nós… hoje completaria quinze anos — disse Oséias, o pai dela.
Então, um grito. Uma corrida. Um estalo. E o som pesado no lago.
Na festa, deram falta do aniversariante.
Escrito por Noel Souza
Deixe um comentário