Noel Souza
Na Terra do Saber, como de costume após o término de alguns milênios, mais precisamente na antessala da Dona Eternidade, se faz uma reunião que não tem data marcada, mas tem momento certo de acontecer. Esta sala fica localizada entre as regiões de Cronos e do Cosmos e é do tamanho necessário para cada instante. Há nesta sala uma mesa de madeira retirada do bosque do Sucesso, feita sob medida, e tem o mesmo tamanho da dona da casa. Foi talhada com o machado da Experiência, o martelo da Dor e o escopo da Humildade.Aos poucos os convocados foram chegando à reunião, entrando e se acomodando, já que não existe arauto, nem atalaia, nem proclamador para os anunciar, pois todos se conhecem, do maior ao menor. Todos se assentam à mesa circular, cujas cadeiras mudam de posição propositalmente sem que os acomodados precisem se levantar.Os primeiros a chegar foram: o Espírito, a Vida e o Conhecimento. Como sempre, adentraram o salão de mãos dadas. São conhecidos como inseparáveis; já chegaram a chamá-los de trigêmeos.Em seguida, a Razão e a Compaixão. Logo atrás deles, o Tempo e a História vinham aos berros, discutindo sobre quem deveria entrar primeiro, quebrando o retrato do Silêncio que havia na parede da Existência.Devo lhe alertar que a Pobreza, a Solidão, a Saudade e a Tristeza também foram conclamadas a comparecer à reunião extraordinária, de modo que, quando a porta se fechou, a Sala Eterna estava repleta de sentimentos, reações, consequências, emoções e tudo o mais.Estava quase tudo pronto para realizar a cerimônia quando deram por falta de mais um: o Amor. Não sabemos em qual classe ele deve ficar, pois parece ser uma mistura de sentimentos. Às vezes aparece como consequência, por tempos se apresenta em destaque na forma de paixão, e há quem diga que já viu este sujeito andando agarrado à família da Reciprocidade.De repente, todos procuravam este menino que não se sabe a idade. A única coisa que posso lhe dizer é que ele se apresenta, para cada um, de um tamanho diferente. E, desta vez, ele veio se escondendo, brincando consigo mesmo, sorridente e como se não tivesse pressa nem compromisso. Conversava sozinho pela Estrada da Alma.Todos o procuravam porque, sem ele, não se pode começar nada. Apesar de ser uma criança levada, ele é o único que pode alegrar aquele ambiente. E encontraram-no. Eu não sei quem foi, mas tenho a impressão de que ele é quem quis mostrar-se. Há quem diga que o Ódio foi quem o encontrou. E ainda bem que o encontraram logo, porque o senhor Tempo já estava apresentando sinais de variações. E, quando isso acontece, ele se irrita e vai embora — até porque é um dos poucos neste concílio que não se assenta, não se aquieta, não dorme, não para por nada. Isso porque ele traz consigo um sinal de inquietude tatuado no rosto.Mas, mesmo com o Amor presente, algo ainda parecia suspenso. Faltava densidade, faltava confronto, faltava verdade.Foi quando a porta rangeu outra vez, e uma sombra densa atravessou a soleira: a Culpa. Entrou cabisbaixa, mas com presença. Alguns desviaram o olhar. A Compaixão se levantou para recebê-la, mas o Conhecimento apenas a observou em silêncio.Logo atrás dela surgiram mais figuras.O Perdão, em passos lentos, como quem não tem pressa de ser entendido. Carregava nos ombros um manto puído, porém leve. A Saudade o reconheceu de imediato e lhe cedeu espaço.O Medo veio encolhido, olhando para todos os lados. Tinha olhos grandes e um corpo pequeno. A Tristeza o saudou com um aceno — velhos conhecidos.A Fé chegou envolta em véu. Não precisava ver para saber. Sentou-se ao lado do Espírito sem dizer palavra, apenas assentindo com o coração.A Esperança, quase imperceptível, flutuava entre os lugares, como se tivesse estado ali o tempo todo, mas só agora fosse notada. Sentou-se ao lado da Pobreza, e ali brilhou levemente.Por fim, o Desejo entrou. Descalço, inquieto, com os olhos cheios de mundos ainda por nascer. Sentou-se entre a Razão e a Paixão, sorrindo enigmaticamente.E então, quando tudo parecia alinhado, o Orgulho bateu à porta — mas recusou-se a entrar. Disse que não se sentaria em roda, e ficou do lado de fora, murmurando para si mesmo. A Humildade, do seu lugar, apenas sorriu.Agora sim, a Sala Eterna estava completa. E todos sabiam, sem que ninguém precisasse dizer, que aquele seria o encontro mais longo da história da existência — pois todos os presentes estavam ali para decidir o destino da alma humana.